domingo, 5 de maio de 2013

O transporte urbano de Londrina-PR - Patrick Rocha


Considerada um dos centros regionais mais importantes do sul do Brasil e prestes a completar 80 anos, a jovem Londrina apresenta uma história cheia de desenvolvimento com altos e baixos e, como uma de suas resultantes, traz ao longo de sua trajetória mudanças contrastantes em seu sistema de transporte coletivo. Uma área que tem sofrido várias alterações desde seu início, passando por momentos tanto exemplares quanto críticos, e que hoje sofre estagnada enquanto aguarda soluções, que estão previstas para os próximos cinco anos.
Nas duas primeiras décadas de vida do município, não se fez necessário o uso do transporte coletivo urbano por ser um local relativamente pequeno, uma cidade projetada para apenas trinta mil habitantes, mas que ainda estava longe de chegar a esse número. Nessa época, a colonização do norte do Paraná avançava absurdamente, o transporte ferroviário era priorizado e os únicos ônibus que circulavam pela região eram desde a famosa Catita até os grandes guerreiros GMC a gasogênio. Não menos importantes, também circulavam vários modelos como Ford-7, Ford-8, e Studebakers, pois eram caminhões adaptados em chassis de ônibus de fabricações locais. Todos em linhas rodoviárias sempre enfrentando estradas de muito barro. Mais tarde, com alguns anos de uso, vieram os Ford 1939 e 1941 (a gasolina) exploradores das linhas distritais.
No entanto, toda essa relíquia é uma pequena curiosidade que aborda o que já circulou pela terra do ouro verde tempos atrás, mas como o foco do assunto é o sistema do transporte urbano antigo e atual, a parte mais importante chega a partir dos anos 50.
Neste tempo, o desenvolvimento seguiu trilhando um crescimento espantoso. A primeira empresa de transporte coletivo da cidade caminhou em direção ao fundo do poço. Devido a uma crise financeira, a Fatori, Simoni e Lyra deixou de operar em 1958, e entregou seu lugar à Viação Urbana Londrinense - VUL. A empresa pertencia a um grande empresário local, José Lopes, que à pedido do prefeito, retomou cinco veículos que já havia vendido, mas não havia recebido o dinheiro, e assim os colocou imediatamente em serviço para dar conta do primeiro sistema consistente de transporte coletivo de Londrina, que comportava cinco linhas urbanas não integradas. Mais tarde a empresa chegou ao total de 29 ônibus. As linhas distritais somavam mais de 190 quilômetros e eram dominadas pela Francovig, Pagan & Cia. Ambas as empresas possuíam veículos Mercedes-Benz que viviam atolados, mas estavam sempre em serviço. Nos anos 60, a frota da cidade era composta por mais de 60 ônibus, aliás, parte dela pelos clássicos e queridos Nicola, que até hoje são lembrados pelos antigos moradores por seu nome curioso, e em adição, também havia alguns veículos Caio. Com as cores vermelho e amarelo bem radiantes, eram o charme da Londrina pujante.
Até as novas necessidades ficarem claras, a primeira mudança impactante no transporte coletivo de Londrina foi entre as décadas de 70 e 80. Época em que a cidade era reconhecida mundialmente pela excelência em produção de café, que logo depois foi devastada pela geada negra. Período paralelo ao que se priorizou o plano viário e, junto a ele, criou-se um terminal dentro do bosque no Centro da cidade, porém ainda sem integração. Aconteceu também a transformação da VUL em Transportes Coletivos Grande Londrina – TCGL, aumentando a frota urbana para 125 ônibus com uma nova pintura batizada de “general” (por ter faixas verde e amarela).


O transporte metropolitano foi melhorado com novas linhas e as linhas urbanas radiais foram conjugadas e transformadas em diametrais, ligando pontos extremos de Londrina. Durante essa década a frota urbana era formada por ônibus Nicola e Marcopolo Veneza com chassis Mercedes-Benz diferentes operando pelo município.
Um dos primeiros pontos prejudiciais à este assunto em Londrina foi a demora na implantação da integração, que só foi possível a partir de 1988. O terminal no bosque foi desativado por não conter mais o fluxo de ônibus e passageiros. Um novo terminal foi construído, ainda que erroneamente na área central, possibilitando a volta das linhas radiais. Além disso, as vias do quadrilátero central também já não comportavam mais o serviço como antes. Depois de um período conturbado, notou-se que seria necessário fazer uma reforma no sistema de transporte urbano como um todo, levando em consideração o trânsito e a quantidade de pessoas de uma cidade com muitas vias estreitas que fora planejada para menos de 10% da população atual da época, e também considerando a qualidade dos ônibus que supriam o serviço.

Por aí veio a mudança mais significativa, até então, sobre o transporte coletivo. Planejou-se a operação de um sistema totalmente reformulado. Entre 1993 e 1995 ocorreu a organização e aplicação do novo projeto. A prefeitura criou uma empresa pública de capital aberto, a Comurb, para gerenciar o transporte coletivo da cidade, e assim todos os outros serviços puderam ser mudados e melhorados. O Terminal Central, que ainda era o único da cidade e com poucos anos de uso, foi reformado e trouxe uma comunicação visual mais dinâmica ao usuário (placas e sinalização melhores e mais visíveis). Cinco terminais de bairro foram construídos em pontos considerados estratégicos naquela época para poder abrigar as novas linhas alimentadoras e trazer a integração físico-tarifária ao passageiro, ou seja, descer de um ônibus e embarcar em outro sem pagar outra passagem. Implantou-se também uma linha circular para atender todo o quadrilátero central, passando por ruas de comércio, clínicas e hospitais. Iniciou-se um serviço de vistorias regulares para garantir a qualidade da frota e da segurança do passageiro, como também, um serviço de atendimento telefônico destinado à receber reclamações e sugestões de usuários. E o principal, as linhas de ônibus foram hierarquizadas de acordo com seu serviço e os veículos foram submetidos a utilizar novos prefixos e novas pinturas seguindo um padrão de acordo com o serviço executado por eles, de acordo com a imagem abaixo:


Pontapé dado, felizmente o sistema funcionou. Os mais de 400 mil habitantes da Londrina dos anos 90 receberam timidamente a mudança e ficaram um pouco confusos com tantas linhas novas e cores diferentes, mas mais tarde entenderam e viram que estava bem mais prático andar de ônibus dentro da cidade. De certo modo até ficou parecido em partes com o sistema de Curitiba, como exemplo, a diferenciação dos serviços através das cores.
Neste tempo tudo era dominado pela TCGL, que ainda pertencia à Família Lopes, e no terminal ainda não tinha a integração das linhas distritais que pertenciam à Francovig & Cia LTDA. A partir de 1996, A Francovig & Cia LTDA se declarou pronta para entrar na concorrência pública dos prestadores de serviço do transporte coletivo da cidade, e entrou. Após conseguir o domínio sobre as linhas da região sul, uma grande confusão aconteceu. A justiça se declarou contra o exercício dos serviços dela uma vez que considerava sua frota insuficiente e antiga demais, chegando a causar a interrupção do atendimento de algumas linhas da sua área de abrangência. Entre idas e vindas de decisões do Tribunal de Justiça e entre discussões sobre o valor da tarifa, finalmente as linhas distritais foram integradas ao sistema, e assim o monopólio do transporte coletivo de Londrina foi finalizado.
A frota da segunda metade dos anos 90 e do início dos anos 2000 foi mais do que importante para suportar todas essas mudanças. Depois da renovação do sistema, o total passava de 300 ônibus, realidade bem diferente da década passada. Apesar dos problemas de mobilidade urbana, o sistema funcionava perfeitamente, mas a população mantinha o crescimento e sem projeção de tamanho aumento, a saturação começou a acontecer. Foram realizados testes com alguns ônibus articulados durante esses anos e então as duas empresas resolveram usar alguns ônibus articulados nas linhas paradoras. Neste período, para a felicidade dos amantes de ônibus, foi o auge das variedades em Londrina quando podíamos ver e andar em:
-Marcopolo Torino 1983 / MB OF-1315
-Marcopolo Torino 1989 / MB OF-1318 / Scania F113HL
-Marcopolo Torino GV / MB OF-1620 / MB OH-1621 / Volvo B10M / Scania L113CL / Scania F94
-Busscar Urbanus / MB OF-1620 / F113HL
-Busscar Urbanus SS / Volvo B10M
-Busscar Urbanuss Pluss LE / Scania L94
-Mercedes-Benz Monobloco O-365 / MB O-365
-Mercedes-Benz Monobloco O-371 / MB O-371U
-Comil Svelto / MB O-371UP
-Caio Alpha / Ford B-1618 / VW 16.180
-Caio Apache S21 / VW 16.210
-Caio Apache Vip / MB OF-1721 / VW 16.210 OD
-Caio Vitória / MB OF-1618
Com o passar dos anos as empresas já não respeitavam mais o padrão de cores, e alguns deslizes começaram a ser cometidos por elas a fim de escapar dos problemas diários que a sobrecarga de passageiros estava causando novamente. Eram ônibus radiais rodando em linhas alimentadoras, ônibus paradores rodando em linhas radiais, ônibus radiais rodando em linhas perimetrais, até que não se viu mais aquela variedade que havia na cidade, tanto nas cores quanto nos ônibus. Restaram apenas os ônibus de cor amarela e azul claro. E a cada ano com a frota mais parecida e menos eficiente. Em relação às tarifas, polêmica na certa como em muitas cidades, ou seja, dispensa comentários. Com isso vieram mais e mais problemas típicos de uma cidade de médio porte.

Na segunda metade dos anos 2000, tudo estava defasado novamente. Culpa de má administração da cidade, descaso das empresas prestadoras do serviço de transporte coletivo (que já pertenciam a donos diferentes) e do crescimento desenfreado em todas as regiões. O sistema continuou com a integração e passou a contar com o bilhete eletrônico, que dá direito ao reuso do cartão sem cobrar uma nova tarifa dentro de cerca de uma hora e meia. 
A única mudança da época foi a implantação de um serviço seletivo operado por micro-ônibus, o chamado PSIU. Os ônibus PSIU atravessam de extremo a extremo da cidade, contam com ar condicionado, bancos estofados, som ambiente e um benefício que muitos gostaram, basta apenas sinalizar em qualquer local ou pedir para descer que ele para, porém a tarifa deste serviço é mais cara. A atração seguinte das empresas foi a adaptação dos ônibus com elevadores para deficientes físicos impressionando a população enquanto, na verdade, não traria benefício algum além da acessibilidade que ainda não existia e de mais espaço dentro dos ônibus para caber mais passageiros em pé. E a CMTU (antiga Comurb) até os dias de hoje tenta resolver a passos de tartaruga todo o caos que virou o sistema, mas sem sucesso. São tantos fatores que influenciam os problemas, que fica difícil saber até se tem alguma solução tecnicamente falando.
Nos últimos anos houve a transformação da Francovig & Cia LTDA para Londrisul (Londrina Sul) Transportes Coletivos acompanhada de uma frota quase cem por cento nova, mas muito básica assim como a veterana TCGL. Frota que trouxe um novo layout na pintura, bem mais dinâmico e remetendo ao centro da cidade através de silhuetas. Uma pintura que embeleza a cidade em meio a tantos problemas urbanos que surgiram ao longo da última década. Nos últimos anos, muitas vias importantes têm contado com a faixa exclusiva para ônibus. Para os ônibus foi uma solução, mas para o trânsito em horários de pico, um atraso. Hoje a cidade está cheia de micro-ônibus Marcopolo Senior, Senior Midi e Torino 1999 e 2007. Todos Mercedes-Benz.
Recentemente, enquanto o novo Plano Diretor do município está sendo aprovado, Londrina conseguiu um recurso do governo federal de R$ 124 milhões para a implantação do Bus Rapid Transit (BRT), projeto que já vinha sendo estudado há alguns anos para trazer soluções em relação aos problemas de mobilidade urbana. A proposta prevê a instalação de canaletas para ônibus com a intenção de interligar as regiões norte-sul e leste-oeste. Vão ser construídas 25 estações de embarque rápido nos trajetos. Os ônibus vão ser articulados e, dependendo do projeto final, biarticulados para aumentar a velocidade no deslocamento e disponibilizar mais conforto para os passageiros. O BRT trará reformas em várias vias de Londrina e resultará na reconstrução de vários cruzamentos, sendo eles com alguns viadutos. A previsão é de que os estudos preliminares do novo sistema durem dois anos e que o projeto esteja pronto e funcionando até 2018, ou seja, até lá uma espera agoniante quando se trata da mobilidade urbana e do sistema de transporte coletivo urbano. Por outro lado, está em estudo novamente um assunto antigo: a integração das linhas metropolitanas com as linhas urbanas, que até hoje não são integradas.
Londrina, segunda maior cidade do estado do Paraná, hoje tem mais de 515 mil habitantes, que somados à região metropolitana ultrapassa 800 mil habitantes. Cidade imponente sobre a região sul do Brasil que merece ser olhada com respeito depois de tanto desenvolvimento e merece ter soluções dignas de uma cidade que sempre teve tudo para manter seu progresso, não fossem as precariedades públicas que nos submetemos em nosso país.


Por Patrick Rocha